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A Estrutura Poética da Trova:
rápidas pinceladas

Andréa Motta

Oh, linda trova perfeita,

que nos dá tanto prazer...

Tão fácil, depois de feita,

tão difícil de fazer!

Adelmar Tavares

 

 ​INTRODUÇÃO

Trata-se de uma das mais antigas modalidades de poesia, e até hoje é uma das mais cultivadas, especialmente nos países de língua portuguesa. Sua história remonta à Idade Média, vindo desde os trovadores provençais e ibéricos, passando pelos cantadores do Nordeste e do Sul do Brasil, até chegar aos cultores da trova moderna. Pelas suas características principais – simplicidade, sonoridade, facilidade de memorização – a trova é geralmente descrita como “poesia tipicamente popular”. De fato é. Porém a construção de uma boa trova não é tarefa simples: exige criatividade, sensibilidade e técnica, virtudes que somente costumam estar reunidas em autênticos artistas.

 

ETIMOLOGIA

Segundo Silveira Bueno (1963, p. 199-200), havia no latim medieval a palavra tropare, formada do grego tropoi, significando “procurar”. Foi com esse sentido que tropare entrou no vocabulário poético da época, evoluindo posteriormente em trobar e chegando ao português na forma trovar. “Mas quem procura acha”, conclui o filólogo, “e da significação de ‘procurar’ passou ‘trovar’ à imediata significação de ‘achar’, naturalmente achar inspiração, inventar”.

Essa etimologia é confirmada por numerosos pesquisadores, tais como Cavalheiro (1989, p. 10), Cunha (1982, p. 794), Fernandes (1972, p. 14), Wanke (1973, p. 18) e outros.

Ainda hoje trouver (francês), trovare (italiano), trovar (espanhol e português) conservam o significado de “achar”, daí dizer-se que a trova é um achado. O poeta acha uma nova ideia, uma boa rima, ou, principalmente, um modo diferente de dizer coisas comuns.

 

DEFINIÇÃO

A maioria dos dicionários define trova como composição poética ligeira e de caráter mais ou menos popular; quadra popular; canção; cantiga. Tal definição, ainda que incompleta, poderia talvez servir para indicar a trova provençal da Idade Média, as cantigas dos menestréis que animavam as antigas cortes portuguesas, ou mesmo os repentes, os desafios e outras manifestações poéticas dos cantadores, violeiros e cordelistas brasileiros. Não é, porém, exatamente essa a ideia que se tem hoje de trova.

Em Meus irmãos, os trovadores, Luís Otávio (1956) define a trova moderna como: uma composição poética de quatro versos setissilábicos, rimando pelo menos o segundo verso com o quarto, e tendo sentido completo (grifo nosso). Como se vê nesta amostra:

 

Se toda gente soubesse

como custa querer bem,

quanta gente gostaria

de não gostar de ninguém!

Octávio Babo Filho

 

Na atualidade, o rigor é um pouco maior. A UBT – União Brasileira de Trovadores, principal entidade trovadoresca no Brasil, exige que seja rimado também o primeiro verso com o terceiro. Assim, a definição em vigor, e plenamente aceita, é a seguinte: Trova é uma composição poética composta de quatro versos de sete sons (setissílabos), sem título, rimando o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab), e tendo sentido completo. Como estas:

 

Saudade – lembrança triste

de tudo que já não sou...

Passado que tanto insiste

em fingir que não passou!

Edgard Barcelos Cerqueira

 

“Pelo tamanho não deves

medir valor de ninguém;

-Sendo quatro versos breves

como a trova nos faz bem”.

Luiz Otávio

 

No Brasil, a trova está presente desde a chegada dos portugueses: veio nas caravelas de Cabral. Continuou com Anchieta; com Gregório de Matos; com os árcades (Alvarenga Peixoto, Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga); com os românticos (Casimiro de Abreu, Castro Alves, Fagundes Varela, Gonçalves Dias), com os parnasianos (Alberto de Oliveira, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho); com os simbolistas (Alceu Wamosy, Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Sousa, Emiliano Perneta), chegando aos poetas do modernismo (Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Mário Quintana), e aos que trovando cantam (Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Juca Chaves, Vinícius de Moraes).  (Ver Quadros 1 e 2).

Trovadores brasileiros típicos (especialistas em trova), na primeira metade do século XX, foram, por exemplo, Adelmar Tavares (que introduziu a trova na Academia Brasileira de Letras), Bastos Tigre, Belmiro Braga, Catulo da Paixão Cearense, Colombina, Djalma de Andrade, Lilinha Fernandes, Olegário Mariano. A grande expansão da trova ocorreu, entretanto, somente a partir de 1956, com o lançamento de Meus irmãos, os trovadores, de Luiz Otávio, e mais ainda após os  I Jogos Florais de Nova Friburgo, em 1960.

 

Classificação das trovas

Há diferentes maneiras de se classificarem as trovas. Por sua praticidade e simplicidade, optamos pelo modelo sugerido por Fernandes (1972, p. 16ss). Segundo esse autor, as trovas podem ser classificadas sob três aspectos: autoria, forma e conteúdo.

Autoria

Quanto à autoria, as trovas podem ser:

  • Populares ou folclóricas: fazem parte da cultura do povo e são transmitidas de boca em boca, não sendo possível identificar seus autores:

 

Dizem que o pito alivia

as mágoas do coração.

Eu pito, pito e repito,

e as mágoas nunca se vão...

 

  • Literárias: sempre aparecem assinadas e são compostas por literatos, com o propósito de produzir arte poética:

 

Cada palavra relida

da carta que alguém nos fez

é um pedacinho da vida

que a gente vive outra vez.

  Augusta Campos

 

Forma

 Quanto à forma, as trovas são denominadas:

  • Simples: as que rimam apenas o segundo verso com o quarto (abcb). Estão fora de uso, embora centenas delas tenham-se tornado antológicas, como esta:

 

Sino, coração da aldeia;

coração, sino da gente:

um a sentir, quando bate;

outro a bater, quando sente!

Antônio Correia de Oliveira

 

  • Duplas: as que rimam o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Esse é o formato atualmente em vigor, exigido em todos os concursos de trovas:

 

Eu vi minha mãe rezando

aos pés da Virgem Maria.

Era uma Santa escutando

o que outra santa dizia!

Barreto Coutinho

 

Conteúdo

Quanto ao conteúdo, tem sido unânime entre os trovadores a classificação das trovas em três grandes grupos: filosóficas, humorísticas e líricas. Alguns exemplos:

 

Filosóficas

Duas vidas todos temos,

muitas vezes sem saber:

a vida que nós vivemos

e a que sonhamos viver.

Luiz Otávio

Humorísticas

Minha sogra não reclama

pelos  tratos que eu lhe dou.

Até de filho me chama...

só não diz que filho eu sou!

Élton Carvalho

 

Líricas

No dia em que tu quiseres

ser meu senhor e meu rei,

serei todas as mulheres

na mulher que te darei!

Nydia Iaggi Martins

 

É possível também fazer subclassificações, tantas quantas o pesquisador achar necessárias, caso queira ser extremamente rigoroso. Como nestes exemplos:

Cívicas

Cidadania é civismo,

sobretudo é comunhão;

é ajuda mútua, é altruísmo,

partilha justa do pão!

A. A . de Assis

Condoreiras

Senhor Deus, ó Pai dos pais!

Por que motivo consentes,

entre teus filhos iguais,

destinos tão diferentes?

João Rangel Coelho         

 

Didáticas

O seno de a mais b

efetuado ficará:

seno a, coseno b;

seno b, coseno a.

Folclore estudantil

 

Ecológicas

Floresta amiga, perdoa

o fogo, a serra, a agressão:

a humanidade ainda é boa,

certos homens é que não!

João Freire Filho

Educativas

Quem por cigarros se entrega

às mãos do vício, sem medos,

não percebe que carrega

a morte acesa entre os dedos...

Edmar Japiassú Maia

 

Elogiosas

Coisa mais linda não há

que uma Cidade Canção.

É por isso, Maringá,

que estás no meu coração!

Maria Madalena Ferreira

 

Ferinas

Há tanto burro mandando

em homens de inteligência,

que às vezes fico pensando

que a burrice é uma ciência...

 Symaco da Costa

 

​Inventivas

Vivo, penso, sinto, falo;

temo, luto, venço, clamo;

vejo, creio, sonho, falo;

sofro, quero, choro, amo.

Paulo Edson Macedo

 

Pictóricas

Como doida bailarina

que despisse o último véu,

a serra sai da neblina

quando o sol surge no céu...

Carlos Guimarães

 

Políticas

Todo mundo é “boa praça”

quando é chegada a eleição;

mas depois que o pleito passa

o povo fica na mão...

M. Augusto Costa

Publicitárias

Com tanto carinho é feito,

que logo se verifica:

é sempre mais que perfeito

qualquer produto da Cica.

Aparício Fernandes

 

​Religiosas

Todos os picos da serra,

nos Andes, nos Pirineus,

são dedos grandes da Terra

mostrando a casa de Deus!

Célio Grünewald

 

Sertanejas

Os pezinhos da caboca,

quando dançava o baião,

parecia dois pombinhos

a mariscá pelo chão...

Catulo da Paixão Cearense

 

Sociais

Procura esquecer teu pranto

secando o pranto de alguém;

assim verás mais encanto

no encanto que a vida tem!

Amaryllis Schloenbach

 

TÉCNICA

Vale, entretanto, lembrar que a trova, como as demais modalidades de poesia, têm normas a serem obedecidas, e ignorar tais normas seria empobrecer a arte pretendida. O trovador necessita, sobretudo, estar atento às questões do ritmo, da métrica e da rima.

O ritmo, na composição da trova, não chega a ser muito rigoroso. O verso setissílabo admite ampla variedade nesse aspecto, devendo-se observar apenas se o efeito sonoro resultante agrada ao ouvido. Há que haver certo “balanço”, aquela melodia típica da cantiga. O setissílabo geralmente considerado ideal é o que bate forte nas ímpares, isto é, o que tem as tônicas na 1ª, 3ª, 5ª e 7ª sílabas, como este de Sérgio Bittencourt: Minha voz na voz do vento... Mas também soam bem versos como estes: Meu limão, meu limoeiro... / Peguei o Ita no Norte... / Valei-me, meu pai, valei-me... / Maria, minha Maria... / Amei, sonhei, fui feliz... O que o poeta deve mesmo evitar são os versos de sonoridade frouxa, como estes: Tenho um coração sofrido.../ Era descendente dela... / Quer desesperadamente...

 

A métrica é um pouco mais complicada, exigindo maior experiência. Na composição de um verso, o cuidado inicial é lembrar que “sílaba” em poesia não significa exatamente a mesma coisa que em gramática. A sílaba poética corresponde a um som, ou seja, a uma nota musical. O setissílabo é um verso de sete sons (dó-ré-mi-fá-sol-lá-si), contados até a última sílaba tônica. É importante lembrar também que vogais vizinhas são em geral pronunciadas separadamente nos casos de hiato, e se juntam quando não ocorre hiato. Sirvam de exemplo estes conhecidos versos de Gonçalves Dias:

 

Mi | nha | te | rra | tem | pal | mei | ras,

on | de | can | ta  o | sa | bi | á.

As |  a | ves | que a | qui | gor | jei | am

não | gor |  jei | am | como | lá.

 

A rima, segundo as normas atuais, como já vimos, deve ser dupla, isto é, devem ser rimados o primeiro verso com o terceiro e o segundo com o quarto (abab). Em trova não há, porém, grande exigência quanto ao fato de a rima ser rica ou pobre, no sentido tradicional de que rica seria a rima entre palavras de diferentes categorias gramaticais: verbo com substantivo, adjetivo com advérbio etc. Isso não tem sido levado muito a sério atualmente. Mais importante, como sugere Nogueira (1996, p. 27), é o trovador estar atento para evitar certos cochilos que, estes sim, enfraquecem o verso. Por exemplo:

 

  • Rimas em que a vogal tônica seja a mesma nos quatro versos: liso / dia / viso / havia; mar / amava / bar / sonhava; veia / cedo / areia / segredo.

  • Rimas com palavras derivadas: ver / rever; agir / reagir; tempo / contratempo.

  • Rimas imperfeitas, assim chamadas por haver diferença no timbre das vogais tônicas: ideia / areia; sacode / pôde; melhor / favor.

  • Rimas regionais: há, por exemplo, quem pronuncie /friu/, /riu/, num único som, rimando com “viu”, em vez /fri-o/, /ri-o/, em dois sons, como recomenda o Decálogo de metrificação adotado pela UBT.

 

Fonte:

  • A trova: o canto do povo, Agenir Leonardo Victor. 2003.

  • Didática da trova. Nilton Manoel de Andrade Teixeira. 2008

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